Intercâmbio às cegas no Canadá parte III – Na Escola

Olá pessoal,

Finalmente vamos disponibilizar mais um capítulo da série intercâmbio às cegas no Canadá, que aconteceu em agosto de 2010, na cidade de Vancouver.
Para quem não acompanhou, ou para quem quer relembrar, pode ler a primeira postagem aqui, onde contamos como tudo começou, e a segunda aqui, onde contamos mais especificamente sobre como foi a viagem e a chegada naquele país.

Vista do centro de Vancouver

The alt text for this image is the same as the title. In most cases, that means that the alt attribute has been automatically provided from the image file name. Vista do centro de Vancouver

Nesse terceiro capítulo vamos narrar nosso primeiro dia na escola: como foi o trajeto até lá, as primeiras surpresas com a cidade, o primeiro contato com professores e outros colegas, a prova de nivelamento, arredores da escola e nossas primeiras vivências na cidade.

A Caminho da Escola

Chegamos em Vancouver em um domingo, então no dia seguinte já era segundona e portanto dia de iniciarmos nossos estudos.
Antes de relatar fatos especificamente sobre a escola, acho importante descrever o percurso até lá, pois para quem não enxerga isso acaba sendo uma das missões mais difíceis e dispendiosas a serem realizadas ,pois se trata da autonomia em andar sozinho em um lugar desconhecido! Literalmente em outro mundo!

Conforme combinado nossa madrinha foi nos levar para nos ensinar o caminho, procedimento que fazia com todos os estudantes. Deveríamos pegar um ônibus e depois o skytrain até o centro de Vancouver, onde ficava a escola.
Para chegarmos até a parada de ônibus saímos da casa para a esquerda, andamos menos de meia quadra até a esquina, atravessamos a rua e seguimos à direita mais um pedacinho.
Em Vancouver, e em muitas outras cidades fora do Brasil, não é necessário fazer sinal para o ônibus parar,, basta ficar mais próximo da rua que o motorista do busão entende que você quer embarcar.
No ônibus deveríamos sempre validar nosso bilhete em uma máquina que ficava logo ao lado do motorista, bem próximo da porta de entrada.
O motorista pacientemente esperou que todos validássemos nossos respectivos bilhetes e, somente após nos sentarmos, iniciou a viagem. Então veio a surpresa!: O trajeto era anunciado por um sistema de GPS!
Isso mesmo, um GPS ia anunciando as ruas, inclusive quando chegamos à estação de skytrain.
O skytrain é um metrô que anda abraçado a um único trilho, tanto em túneis quanto na superfície, por isso o nome (sky)train.

Descemos do busão em um espaço meio quadrado onde paravam outros ônibus, e em um dos lados ficava a entrada para a estação. Eu nunca entendi muito bem aquele espaço. A estação era apenas uma entradinha e, bum, já estávamos na plataforma, bem estreita. Isso mesmo, alguns poucos passos por uma entrada sem catraca nem nada e já se estava na plataforma, que por sinal não tinha nenhum piso tátil!
Se você está se sentindo meio sem chão tudo bem, eu também fiquei meio perdida com essa estação, vou explicar de novo:
saímos do ônibus em um espaço meio quadradinho onde paravam outros ônibus, em um dos lados ficava uma entrada que já era plataforma.
A, mais dava então para entrar sem pagar? Sim, dava, entrar sem pagar e torcer para o fiscal não te encontrar, se algum fiscal solicitasse seu bilhete e você não tivesse pagado, teria que pagar uma multa e tal.
Quando o bilhete tinha sido validado no ônibus, ele valia por um certo tempo dentro daquela zona de movimentação. Quando pegávamos primeiro o skytrain, aí deveríamos validar na estação.
O skytrain geralmente anuncia as estações, e quando para na estação, anuncia o sentido. Naquele momento não anunciou nada porque naquela plataforma todos os trens estavam indo para o mesmo destino final.
Importante saber que na mesma plataforma passam trens para sentidos diferentes.
Embarcamos no nosso trem com destino a Water Front e descemos na estação Granville.
Naquele trecho central as estações sim são bem maiores, semelhantes as nossas estações daqui de São Paulo.
Ao descermos do trem subimos uma escada rolante bem longa, andamos um trecho em frente, viramos à esquerda e subimos outra escada que nos deixou a meia quadra da escola.
Para chegar até lá, Era só virar a direita até a esquina, atravessar para a esquerda e andar mais uns poucos prédios.
E uma outra surpresa: o semáforo da esquina era automaticamente sonoro!
Sim, sem a necessidade de apertar botão nenhum, o farol apita quando está aberto para pedestres, e ainda mais, quando está aberto sentido norte sul é um som, quando está aberto sentido leste oeste é outro. Vários faróis daquela região central funcionam assim…
Ou seja, naquele trecho da cidade a acessibilidade é praticamente perfeita: calçadas realmente planas, aquele plano acimentado, não aquelas pedrinhas de calçadões, com semáforos sonoros nos cruzamentos.
Em quase toda a cidade percebi que as calçadas são acimentadas, fomos encontrar as calçadas tradicionais só lá na parte antiga.

Conhecendo a Escola

Nossa madrinha nos mostrou o prédio da escola, nos levou até a secretaria e voltou para casa.
A escola ficava e ainda fica em um predinho de uns 3 ou 4 andares, com algumas salas por andar. Nada de pátios ou corredores enormes, parece prédio comercial mesmo.
Isso facilitou bastante nossa locomoção.
Tirando o fato de que não teve jeito de entendermos o nome da recepcionista coreana, o restante foi tranquilo. Ddeveríamos aguardar uns minutos ali em uma sala onde receberíamos as primeiras instruções.
Nessa sala rolou um bate-papo geral entre duas concelheiras brasileiras e os alunos do Brasil, pois em outras salas estavam outras turmas, com suas conselheiras nativas dos respectivos países.
Nossas duas salvadoras eram bastante simpáticas e nos passaram informações importantes sobre a cidade em geral, as regras da escola, do curso e tal.
Uma das características dos cursos eram que cada aluno deveria escolher suas aulas conforme seu nível, mas também conforme seu tópico de interesse. Disponibilizavam uns 4 ou 5 tópicos, tipo negócios, turismo e outros, e cada um escolhia seu tema de interesse, pois as aulas de conversação versariam exclusivamente sobre tais assuntos.

Logo após esse bate-papo de apresentação, todos os alunos foram levados para um rápido tour pelos arredores da escola. A escola disponibilizou um aluno mais antigo para ser o nosso guia, então, enquanto os demais alunos tinham um guia para um grupo maior, o Mateus guiou somente eu e o Marlon. Vejam que coisa linda, voltei a encontrar o Mateus outro dia desses aqui em São Paulo. Eu estava andando com a sacola de ombro da escola, e então ele se recordou de mim e conversamos. Eu nem lembrava que aquela sacola era da escola, tenho outras similares e não esperava por essa boa surpresa.
Fizemos uma caminhada bem essencial de reconhecimento da quadra e das principais coisas nas imediações do prédio. Também fomos conhecer o outro prédio da escola, que ficava na quadra da frente.

Esse bate-papo e pequeno passeio nos rendeu a manhã toda, e, como nosso curso previa aulas também após o almoço, nosso primeiro desafio foi sair da escola sozinhos, almoçar e voltar, pois ainda não tínhamos nenhuma panelinha formada.
Como já tínhamos feito um reconhecimento básico da área, sabíamos que bem ao lado do prédio havia um lugarzinho que vendia fatias de pizza, e fomos lá mesmo.
Para variar fomos atendidos no balcão por um indiano. Perguntamos quais os sabores das pizzas e juro, não entendi nenhum! Aí perguntei se tinha frango, ele disse que sim, o Marlon perguntou se tinha Pepperoni, ele disse que sim também, e foi isso que comemos, pizza em pratinhos de plástico e um refri básico.
Ele não foi grosseiro, mas também não foi proativo como geralmente acontece no Brasil. Nos atendeu, respondeu e pronto, no final só disse que poderíamos deixar os pratinhos ali mesmo, em geral os clientes já levariam e jogariam no lixo.

Ainda no mesmo dia todos os alunos deveriam realizar os testes de nivelamento da língua inglesa, o que claro causava algumas aglomerações e tal, mas isso já serviu para que fizéssemos amigos.
Os alunos deveriam fazer uma redação, e todos passariam por uma breve entrevista oral.
Nós já havíamos solicitado a provinha escrita com antecedência e já tínhamos a respondido por e-mail.
A diretora da escola imprimiu e corrigiu nossos textos, ao mesmo tempo em que já foi nos entrevistando. Por nos classificar em um nível avançado, nos deu a opção de frequentarmos as aulas da tarde em uma escola profissionalizante, do mesmo grupo da escola de idiomas, mas que ficava em outro estabelecimento no prédio ao lado.
Guiados por uma recepcionista, não lembro qual delas, fomos lá nessa outra escola conversar com a outra diretora, que nos recebeu muito bem e nos mostrou as opções de cursos em que poderíamos participar. De modo que acertamos para durante amanhã fazermos aulas de conversação na própria escola de idiomas, e à tarde um módulo de um curso profissionalizante nessa escola ao lado.

Como havia vários alunos brasileiros, já começamos a nos enturmar com a galerinha, e de cara descobri uma menina que me conhecia do segundo grau técnico, ela não fazia o mesmo curso que eu, mas já havíamos conversado algumas vezes. Depois vocês vão saber que esse encontro foi providencial.

E o próximo passo foi voltarmos para casa. Foi mais fácil do que pensávamos, pois 2 dos funcionários da escola que faziam a ponte entre a escola e as casas de família utilizavam o mesmo metrô que o nosso, só desciam algumas estações mais a frente. Então pronto, a princípio ficou combinado que eles nos deixariam no ponto do nosso ônibus, e a nossa madrinha nos esperaria no ponto de casa.
E assim foi feito nos dias em que não tínhamos outras programações, ou pelo menos foi o que dissemos para nossa família.

As Aulas

Antes de ficarmos em uma turma de conversação definitiva, frequentamos algumas aulas de outras turmas, isso fez com que conhecêssemos outras pessoas e outros professores. Tenho uma profa até hoje no meu Facebook.
No curso de conversação pela manhã tínhamos colegas brasileiros e também de outros locais, como México, Colômbia, Japão, Venezuela, e Áustria. No intervalo das aulas, nos reuníamos com outros alunos e então o leque de amigos, brasileiros ou não foi aumentando.
O professor era bem bacana, jovial e não perdia oportunidade para fazer piadinhas. Era uma coisa terrível, porque eu queria retrucar as piadas mas não tinha, e acho que ainda nem tenho vocabulário e agilidade suficiente para bancar o pário.

Já na turma da tarde, o pessoal não era intercambista de um mês, mas sim estavam lá fazendo um curso profissionalizante de 1 ano ou mais para se estabelecer no país ou avançar nos estudos.
Tínhamos amigos principalmente da Tailândia, Coreia do Sul, África do Sul e Alemanha.
Gente o inglês de alguns coreaninhos era duuuro de entender.
Como esse curso era profissionalizante, entramos em uma disciplina que estava começando, mas os alunos já se conheciam das outras etapas. Mesmo assim, muitos foram conversar com a gente, perguntavam nosso nome e tal.
Foi em uma dessas aulas que perguntei para um coreano figuraça se ele já tinha comido carne de cachorro, ele disse que sim, e que não era nada de mais, que parecia com bife! Uuuuuuuiiiiiiiiiiii!

Interações com a Comunidade Escolar

Na escola havia uma ária de convivência, os alunos podiam usar a geladeira, o micro ondas e todo mundo se respeitava, ninguém mexia nas coisas do outro. Eu deixei na geladeira uma garrafinha de um refri diferente, que permaneceu do jeitinho que deixei.

A nossa madrinha, por gentileza mais do que por obrigação, nos preparava lanchinhos e até almoço, mas nem sempre estávamos dispostos a almoçar arroz indiano com ervilhas e outras comidinhas do gênero, logo obviamente acabávamos por sair com a galera.
Geralmente íamos almoçar em turminhas, todos perdidos, explorando e conhecendo os restaurantes, lojas, cafés, shoppings e outros.
Desastrosamente em um dos primeiros dias fomos almoçar na praça de alimentação de um tipo shopping, e tudo que conseguimos foi uma gororoba em um restaurante japonês. Na gororoba tinha uns legumes meio adocicados incluindo repolho, com pedacinhos de frango (que para mim estavam estragados) e um arroz grudento. Não comi nada, o Marlon arrematou o prato e lambeu os beiços.
Outro dia, não aguentando mais comida indiana, japonesa, ou de outra parte da Ásia, me rendi e fomos no MCDonald’s, onde descobri que até os inocentes nuggets eram apimentados!
Certo dia, estávamos matando a aula da tarde para passear pela cidade, quando alguns alunos chegaram correndo perguntando se não iríamos para a aula! E aí como explicar para um alemão mais jovem o que estávamos fazendo!

Nessas semanas de aulas também encontramos o Thomas, um cego austríaco doidasso!
Sério, se eu me acho despachada e independente, o Tomas dava de 10 a 0!
O cara naquela época tinha 19 anos, inglês muuuuiito bom, se virava para todo lado muuiiito rápido, viajava para tudo quanto é canto no esquema de ficar em casa de amigos desconhecidos, e mandava muito bem em várias coisas.

A escola, na medida do possível nos enviava os materiais por e-mail. Nunca ninguém nos tratou de maneira constrangedora. Procuravam atender nossas necessidades, sem exagerar no excesso de cuidado ou algo do tipo. Importante dizer que, no exterior não é todo mundo que vai ser babá de cego não, parece pesado mais é isso mesmo, se quiser fazer um intercâmbio sozinho, fora das escolas de cegos, tem que bancar com autonomia e maturidade porque você nunca sabe o que pode acontecer.
A maioria das pessoas vão achar que você é independente e vão te ajudar somente naquilo que não tem jeito mesmo. Por exemplo, a maioria das pessoas só nos falavam que o semáforo estava aberto e que podíamos ir, ninguém vinha pegar na mão e atravessar a rua como fazem aqui no Brasil.
A nossa madrinha até fez algumas concessões porque estava com certa preocupação. Por exemplo ela sempre ia nos buscar no ponto de ônibus quando chegávamos da escola.
O pessoal da escola por outro lado já eram bem mais desencanados, quando perguntávamos por alguma localização, eles explicavam e pronto. Aliás, a explicação era bem lógica,do tipo: ande duas quadras, vire para a direita. Isso quando não utilizavam os pontos cardeais, como nosso professor, que nos enviou por e-mail como chegaríamos a um pub: siga 4 quadras para o norte, e então vire à direita (para o leste), inclusive mencionando a graminha que precisaríamos atravessar.
Quando nos sentíamos inseguros, como aconteceu uma vez, a escola nos providenciava o apoio necessário. Tivemos uma necessidade médica e precisamos de atendimento, então uma das recepcionistas nos acompanhou até a clínica médica, que era próxima, porém ainda não tínham
os circulado naquela região.

E assim a parte escolar transcorreu bem, sem outros grandes destaques.

Se alguém quiser mais detalhes, como o nome da escola ou tiver qualquer outra dúvida, pode nos escrever para “blindando@blindando.com.br”.

Vem por aí!

No próximo e último capítulo da série, vamos contar como conhecemos mais turisticamente a cidade, como resolvemos algumas questões inesperadas, e como foi nosso retorno para casa.

A, para quem acha que o SR. Marlon não provocou nenhum terremoto, aguardem que vou lembrar algumas peripécias no próximo capítulo!

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